“Nos organizando, podemos desorganizar”
Movimento surgido na virada do ano congrega trabalhadores e trabalhadoras da educação de diversas esferas e promete renovar a luta contra os abusos do governo Ratinho Jr, em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, e por melhores condições para os profissionais da área no Paraná
No último sábado, 25 de janeiro, às 9h, aconteceu a primeira plenária chamada pelo Movimento 29 de Abril (M29). O encontro discutiu a situação de intensa precarização dos trabalhadores e trabalhadoras da educação do Paraná e aprovou uma série de ações para fazer frente aos ataques do governo Ratinho Jr contra os educadores.
O evento híbrido contou com a presença de 60 pessoas no total, com parte se reunindo presencialmente em Curitiba, no campus Rebouças da UFPR. Para além dos servidores da educação estadual de diversas regiões do estado, participaram da plenária professores e técnicos do ensino superior federal e estadual. Na ocasião, foram debatidos os principais problemas da educação estadual e as medidas que podem ser tomadas para que a categoria se contraponha a elas.
A reunião teve ampla participação de professores contratados pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS), categoria que vem sofrendo vários abusos por parte do governo Ratinho. Suas intervenções destacaram problemas como inseguranças e incertezas a cada início de ano, o não resguardo do direito destes profissionais acompanharem seus filhos e filhas ao médico, a não convocação dos aprovados no último concurso bem como a falta de concurso públicos para ingresso no magistério, o crescente assédio em decorrência do uso das plataformas digitais e ameaças para o cumprimento de metas.
Outro ponto bastante destacado pelos presentes diz respeito à relação entre a intensificação do trabalho e extensão da jornada em decorrência da crescente plataformização e uberização do trabalho e o adoecimento docente. A média dos últimos três anos de docentes afastados em decorrência de transtornos mentais e comportamentais ultrapassou os 8 mil por ano, segundo dados da SEAP.
Os presentes classificaram a política do governo estadual em relação à saúde dos servidores da Educação de uma verdadeira ação para eliminar aqueles e aquelas por eles considerados improdutivos. O adoecimento é punido com rebaixamento da classificação juntamente com o assédio das equipes diretivas para que estes professores não assumam as turmas submetidas ao SAEB.
Entre os presentes houve quem caracterizou a submissão da educação pública à plataformização como uma política de desmonte do processo pedagógico no qual as questões de ensino e aprendizagem são sobrepostas pela busca incondicional de metas inatingíveis, cujo único objetivo é fornecer dados para alimentar os grandes conglomerados de tecnologia e informação.
Outros questionaram a própria produção de dados por docentes e estudantes, afirmando não ser esse o papel da escola pública. Além disso, se estes estão fornecendo os insumos para alimentar a economia de dados, por que não estão a receber pelo trabalho realizado, ponderaram. A alternativa de luta apresentada pela plenária foi reforçar que os docentes são contratados por determinada carga horária e, portanto, que o trabalho com as plataformas, caso aceitem realizá-lo, seja feito no seu horário de trabalho e em nenhum outro momento, principalmente quando nos referimos ao tempo de descanso, com a família, etc.
O conjunto de situações descritas pelos presentes reforça a necessidade de defender a autonomia docente frente aos processos de controle político e ideológico que se intensificam na educação brasileira não só pelo avanço da plataformização e uberização mas também pela terceirização, privatização e militarização da gestão escolar, fazendo-se urgente e necessário organizar a luta em defesa da gestão democrática.
A plenária destacou que o desmantelamento da educação pública não se restringe a alguns estados, como São Paulo e Paraná, onde o processo está mais acelerado. Trata-se de uma política que abrange o conjunto das redes públicas de educação do país, a exemplo do que vem ocorrendo no estado do Pará, principalmente em relação às escolas indígenas, quilombolas e do campo. Em apoio aos indígenas que ocuparam a secretaria de Educação daquele estado, os professores e professoras encontram-se em greve.
Um novo movimento de base para a reorganizar os trabalhadores e trabalhadoras da educação do Paraná
A comissão provisória do M29 aproveitou o encontro para apresentar sua concepção e princípios organizativos ressaltando a necessidade de prezar pela autonomia e independência diante de outros instrumentos da classe, como partidos e sindicatos, bem como das instituições do Estado burguês, dos governos e dos patrões.
O Movimento 29 de Abril se caracteriza por ser um agrupamento de trabalhadores e trabalhadoras da educação, das diferentes esferas do poder público e também da rede privada. Tem como objetivo principal organizar a luta em defesa e ampliação dos seus direitos e cobrar do Estado a oferta de uma educação pública, laica, de gestão pública civil, sob responsabilidade do Estado.
O M29 se coloca a tarefa de reconstruir o movimento sindical dos trabalhadores e trabalhadoras da educação em outros patamares, incorporando em seus quadros trabalhadores formais e informais, precarizados ou não, terceirizados e efetivos, desempregados e aposentados.
O M29 rejeita a estrutura hierárquica e burocrática do sindicalismo oficial, que afasta as bases das decisões sobre os rumos de suas lutas, e prioriza a organização por local de trabalho, de forma a impulsionar a mobilização do conjunto dos trabalhadores na defesa e ampliação dos direitos, articulando as reivindicações da comunidade escolar a respeito da educação que desejam para suas crianças e adolescentes às demandas mais gerais da classe.
A organização que ora se apresenta atuará para fortalecer o vínculo entre os trabalhadores e trabalhadoras da educação e suas respectivas comunidades escolares, impulsionando, através de comitês populares, o protagonismo da sociedade na defesa e promoção da educação pública. Os comitês serão fomentados pelos militantes do M29 e compostos por todos aqueles e aquelas que se proponham a defender a educação pública, gratuita, de qualidade socialmente referenciada, laica e de gestão pública civil.
Superar a paralisia sindical é uma das metas do M29
O M29 é a resposta urgente e necessária neste momento histórico de avanço da extrema direita, de severo ataque à educação pública e aos trabalhadores e trabalhadoras da educação das mais diferentes redes, bem como da completa paralisia do sindicalismo hegemônico, imobilizado que está pelo governismo. Resplandece, agora, uma nova força coletiva pronta a superar o taticismo eleitoreiro que encarcera nossas expectativas ao calendário eleitoral.
Da fúria amordaçada daqueles e daquelas que se recusam a aceitar as amarras do imobilismo, o silenciamento das lutas e a desumanização do trabalho e, ao mesmo tempo, inspirados na histórica resistência de 29 de abril de 2015, o M29 é mais do que um movimento: é uma bandeira de luta, reorganização e perspectiva.
O M29 é fruto da indignação com o pragmatismo de lideranças que subjugam nossas pautas à lógica dos acordos palacianos, das agendas eleitorais e das negociatas de cargos na estrutura sindical. Somos a resposta ao peleguismo que abandonou a classe trabalhadora a toda e qualquer forma de precarização das relações laborais e nos reduziu a engrenagens de um sistema voltado para a opressão, exploração, expropriação e o lucro.
O M29 nasce em memória daqueles e daquelas que nos precederam na luta cotidiana em defesa de uma vida digna. Em memória dos assassinados, desaparecidos e exilados.
O M29 nasce em luta, forjado por uma conjuntura de profundos ataques à carreira e ao exercício da prática docente, trazendo consigo o respeito às lutas que nos precederam.
O M29 nasce imbuído da solidariedade de classe pois entende que as condições de exploração, expropriação e opressão atinge a todos e todas das mais diferentes formas, mas sempre com um mesmo objetivo: eliminar todos os direitos que garantam uma vida digna, submetendo trabalhadores e trabalhadoras à lógica do lucro e do enriquecimento de poucos.
O M29 nasce não para idealizar o passado das lutas e conquistas, apegando-se a ele para justificar o imobilismo das direções frente aos novos desafios, mas para vinculá-las a um projeto de futuro.
Somos os filhos e filhas das classes trabalhadoras, das mães solo, dos pais desempregados, das famílias desalojadas, sem teto, sem trabalho, sem terra. Somos professores e professoras, servidores e servidoras, precarizados e uberizados. Somos a mudança que desejamos para nós. Somos o M29.
No ano em que o massacre de milhares de servidores de diferentes categorias completará uma década, a melhor resposta que os trabalhadores e trabalhadoras da educação podem oferecer é a sua auto-organização. Nós somos a geração marcada pelo massacre do dia 29 de abril de 2015 e temos a obrigação de manter esta memória, que nos pertence, viva e fulgurante, para que a sociedade esteja sempre alerta e os governantes respondam por seus crimes contra os trabalhadores e trabalhadoras da educação e contra a escola pública.
Deliberações da 1ª Plenária aberta do M29
1.Sobre a Assembleia Estadual da APP-Sindicato
- Que a seja convocada urgentemente e realizada de forma presencial;
- Que o não cumprimento da hora atividade pelo governo do Estado deve ser revertida por meio da organização da categoria e não ficar a mercê de uma nova decisão judicial;
2. Sobre os encaminhamentos do M29
- Potencializar junto aos trabalhadores e trabalhadoras da educação estadual o não início do ano letivo;
- Desenvolver ações para orientar os docentes a não trabalharem para além da sua jornada de trabalho pela qual é contratado. (não preencher plataformas fora do seu horário de trabalho)
- Articular a realização de uma audiência pública junto a Alep sobre adoecimento docente.
- Redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Lutar pela jornada de 20 horas de trabalho e pela ampliação do tempo destinado à hora atividade;
- Desenvolver atividades que potencializem a luta contra a terceirização, privatização e militarização;
- Vincular o debate sobre a formação dos comitês populares com a questão da exploração e expropriação do trabalho como consequência da plataformização da educação.
- Fomentar a criação dos comitês populares e intensificar o debate entre docentes e a comunidade escolar, pois os estudantes também estão sendo expropriados e severamente prejudicados pelo modelo de educação imposto no Paraná.