A foto ao lado é o (não tão) novo retrato da educação pública estadual paranaense. É possível acharmos outros cartazes ou murais semelhantes nas paredes das escolas, com exposições de variados índices produzidos por nós, trabalhadoras e trabalhadores da educação, em conjunto das e dos estudantes. Se não forem de frequência semanal das crianças e adolescentes, são de seus acessos semanais a alguma plataforma de Língua Portuguesa ou Inglesa, de Matemática ou dos Desafios Paraná, da plataforma Quizziz (questionários virtuais baseados nos conteúdos propostos pela Secretaria de Educação).
No primeiro dia de Estudo e Planejamento (uma grande farsa, já que nos ocupamos somente em pautas disciplinares e em como aumentar os supracitados índices) o discurso da direção foi bastante explícito: como fazermos os números subirem e, principalmente, como fazermos o Ideb subir? A aprovação do alunado será certa, de pelo menos 95%. A taxa de aprovação compõe um dos fatores no cálculo do Ideb. Apesar dos comentários para buscarmos uma escola bonita, proposta por Paulo Freire, e de falar de Marx, sem citá-lo (o que me deixou toda incrédula, mas efemeramente esperançosa), logo vieram os gráficos de Prova Paraná, Frequência e o escambau, como numa empresa. Números, em metas e resultados, exibidos como se fôssemos acionistas, talvez. Nem isso, pois acionista não põe a mão na massa. O nosso forno de índices, nesse caso, é o chão da escola.
A novidade dessa semana é professores e professoras lecionando em dupla, nas disciplinas de Recomposição de Aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática. Ambas foram criadas este ano, na verdade em Resolução do final do ano passado, para os 9os anos do Ensino Fundamental e 3as séries do Ensino Médio. As escolas também receberam apostilas específicas para uso nas Recomposições. O intuito das disciplinas é preparar estudantes para o Saeb, avaliação que comporá a nota do Ideb. Isto é mais uma cartada da Seed em concentrar recursos para o grande índice. Digo isso pois poderia (e deveria) haver investimentos nas condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, por exemplo, ou mesmo na infraestrutura. Para um governo neoliberal, faz mais sentido injetar dinheiro no setor privado.
Gosto (na verdade, desgosto) de chamar esse processo de idebização. Não importa (e isso desde o governo anterior) se há aprendizado. Não importa se a escola promove um ambiente saudável e seguro. Não importam as relações de saberes; os saberes críticos, num período de colapso climático e de ascensão da extrema-direita. Não importam as precárias condições de trabalho, moradia e alimentação da classe que vive do trabalho. Não importa construir uma escola bonita. Importa em produzir números e, este ano, sobretudo, em produzir um Ideb bom. E não basta ser bom, tem de ser melhor do que o do ano anterior. Como numa empresa que busca crescimento infinito, tal qual prega a ideologia capitalista, o Ideb deve estar sempre crescendo.
E essa idebização é tão horrorosa que se faz ideológica. Como toda ideologia, nos cobre como um véu, fino e leve, um tule. A idebização nos tem feito trabalhar como se ela fosse natural. Como se ela fosse o objetivo central dos processos de ensino-aprendizagem, o objetivo central do trabalho docente. Como se a pedagogia que construíssemos fosse essa pedagogia dos índices. Desaparecem os e as sujeitas da escola. Surgem os números. Os incansáveis e inatingíveis números.
Num ano em que se completa 10 anos do massacre de 29 de abril, a Direção Sindical faz boicotar o movimento grevista. Nada como comemorar uma década de boicote (da grande greve de 2015) com um novo boicote. A falta de uma direção menos de imagem, e mais de luta parece contribuir com o tule. As forças para lutar estão esparsas. Percebo o cansaço de meus colegas. Percebo o meu cansaço. É preocupante o adoecimento docente.
É preciso de coragem e de organização coletiva para enfrentar as imposições deste governo que pouco quer a escola bonita, que é feita, sobretudo, com professores e professoras felizes.