Enquanto a extrema-direita cresce com a militarização e a privatização da educação, o governo Lula mira sua base de sustentação acenando para o centrão com ataque ao piso do magistério.
Em nome do ajuste fiscal e de improváveis alianças para 2026, o governo pode sacrificar a valorização e ameaçar a estabilidade docente, enfraquecendo sua própria base social.
A conjuntura política brasileira revela uma contradição que salta aos olhos. De um lado, a direita e a extrema-direita, aliadas ao centrão, crescem, consolidando seu espaço a partir de um discurso que mobiliza o ódio ao diferente, o moralismo autoritário e a radicalização antidemocrática, tudo muito bem temperado com o fanatismo religioso em afronta direta aos direitos. De outro lado, o governo Lula, em vez de reforçar a mobilização de sua base social e defender os direitos históricos das classes trabalhadoras, ameaça sacrificar conquistas como o piso do magistério em nome de alianças improváveis com o centrão e de compromissos com o ajuste fiscal.
As declarações do ministro Fernando Haddad em 2024 e 2025, ao defender mudanças nas fórmulas de cálculo dos pisos da saúde e da educação, escancaram essa opção. Ao propor limitar o crescimento real dos recursos vinculados à educação, o governo submete a valorização docente à lógica do arcabouço fiscal e à exigência de “confiança” do mercado. A retórica de que “ninguém perde” mascara a realidade: professores e professoras podem ver o crescimento do piso contido, deixando de acompanhar a arrecadação e cedendo espaço ao encolhimento estrutural dos investimentos sociais.
Esse movimento se conecta à tática eleitoral do governo, que, de olho em 2026, busca se aproximar do centrão, oferecendo garantias de austeridade e disciplina fiscal para ampliar sua margem de negociação política. O paradoxo é evidente: em vez de enfrentar a extrema-direita, o governo enfraquece os setores populares e servidores públicos que sempre sustentaram o campo progressista.
É fundamental sublinhar que tais propostas não surgem apenas da pressão externa do mercado ou do centrão, mas estão sendo concebidas e defendidas por ministros do próprio governo Lula, todos do PT. Ou seja, é o próprio campo político que historicamente se apresentou como defensor da classe trabalhadora que agora assume a dianteira de um projeto que ameaça direitos constitucionais e enfraquece o magistério. Essa iniciativa não é imposição alheia: é escolha consciente da equipe econômica e administrativa petista.
A experiência recente das redes estaduais do Paraná e de São Paulo mostra, de forma cruel, o que significa submeter a educação à lógica gerencialista e privatizante. No Paraná, o avanço das plataformas digitais, do ranqueamento e da cobrança por metas produziu um cenário de adoecimento massivo, precarização dos vínculos e vigilância permanente, chegando ao ponto de transformar a estabilidade em exceção. Em São Paulo, a expansão da Categoria O, a terceirização da gestão escolar e a bonificação por resultados consolidaram a “pedagogia da substituição”, em que professores são tratados como descartáveis e submetidos a contratos frágeis que corroem a autonomia docente e inviabilizam a construção de vínculos pedagógicos. É justamente esse mesmo receituário que o governo Lula ameaça nacionalizar: atacar o piso do magistério em nome do ajuste fiscal, relativizar a estabilidade do servidor e atrelar a progressão na carreira a métricas de desempenho padronizadas como IDEB e SAEB. Em outras palavras, aquilo que já destrói a saúde, a dignidade e a autonomia dos professores em estados como Paraná e São Paulo pode agora ser estendido a todo o país, não por imposição da direita, mas por escolha consciente de um governo que deveria estar ao lado dos trabalhadores.
Na proposta do governo federal, o ataque é duplo. Primeiro, pela via fiscal, ao tentar limitar a expansão dos pisos constitucionais. Depois, pelo viés gerencialista, quando Haddad e a ministra Esther Dweck (PT), titular do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), defendem que a estabilidade do servidor seja submetida a métricas de desempenho e eficiência. Para professores e professoras, isso significa a combinação perversa de salários comprimidos e autonomia profissional corroída. A carreira docente é convertida em mera obtenção de resultados, e a valorização deixa de ser um direito para se tornar um custo a ser controlado.
Os riscos se tornam ainda mais graves quando se ventila a possibilidade de atrelar a estabilidade ou a progressão docente a indicadores como o IDEB ou o SAEB. Vincular o futuro profissional dos professores a essas metas significa transferir para os trabalhadores a responsabilidade por problemas estruturais da educação, como falta de investimento, infraestrutura precária e desigualdade social. Além disso, induz a pedagogia do adestramento, em que a prática pedagógica se reduz a treinar alunos para provas padronizadas, sufocando a autonomia intelectual, a criatividade e a função crítica da escola. Tal mecanismo também gera competição entre escolas e redes, aprofundando desigualdades regionais e culpabilizando o professor por falhas que pertencem ao Estado. Em última instância, esse tipo de vinculação destrói o sentido da estabilidade como proteção contra pressões externas, convertendo-a em ferramenta de chantagem gerencial.
Ao atacar o piso do magistério e relativizar a estabilidade, o governo não atinge apenas reivindicações econômicas: mina as condições de existência da própria escola pública. E não é a primeira vez: em 2003, a reforma da previdência aprovada no primeiro mandato de Lula já havia golpeado os direitos dos servidores. Agora, ao repetir a lógica da austeridade, o governo abre espaço para que a extrema-direita capitalize o descontentamento, apresentando-se, ainda que de forma cínica e oportunista, como alternativa ao mal-estar social.
Em nome de alianças eleitorais e da governabilidade parlamentar, o governo Lula sacrifica a base popular que lhe dá legitimidade. Mas não é possível derrotar a extrema-direita cedendo ao centrão e punindo os trabalhadores: essa estratégia apenas alimenta o descrédito e abre caminho para a ofensiva reacionária. Se o governo insiste em atacar o piso do magistério, relativizar a estabilidade e atrelar a carreira docente a metas de desempenho padronizadas, em vez de fortalecer a luta social contra o autoritarismo e a desigualdade, acabará preparando o terreno para a derrota política em 2026.
Depois, não adianta se perguntar onde foi que errou, como fez Lula em reunião na sede da ONU, no dia 24 de setembro, ao questionar por que a extrema-direita vem crescendo. Aqueles e aquelas que não se venderam às benesses do Estado, aos altos cargos comissionados, às negociatas palacianas, bem como não se deixaram cooptar pelo pragmatismo eleitoreiro e pela submissão das entidades sindicais ao governismo e à partidarização, e que continuam no campo da luta, mas, fundamentalmente, coerentes com a tradição crítica da teoria social — ainda que acusados de sectarismo ou de “jogar água no moinho da direita” —, continuaremos apontando o justo caminho.
Por isso, conclamamos todos os trabalhadores e trabalhadoras da educação pública do Paraná a pressionarem suas direções sindicais a travar a luta contra a reforma administrativa do governo Lula!
No dia 29 de outubro, todos e todas rumo à Brasília!